Reação imune a corpo estranho

O que é importante entender sobre a nova teoria da reação imune a corpo estranho?

Este é um assunto muito polêmico e divide opiniões. Para quem defende esta teoria, o mais importante é a busca por uma resposta simples: por qual razão os implantes dentários de titânio se integram ao osso? Para o pesquisador Ricardo Trindade, este conhecimento busca entender a osseointegração e os desafios que esse processo enfrenta, sobre um diferente ponto de vista.

Na verdade, a mudança crucial da nova teoria é compreender que o processo de cicatrização ao redor do implante não seria mais considerado uma regeneração normal, já que na teoria atual a osseointegração leva à aposição de osso na superfície do implante, considerando-se o titânio como um material inerte. Este seria o ponto inicial do problema, pois o implante é um corpo estranho colocado em contato direto com o osso, e sabemos que qualquer material estranho ao organismo é essencialmente reconhecido pelo sistema imune.

A teoria de reação de corpo estranho se baseia no fato de que todo biomaterial tem uma interação com o organismo, que perdura pelo tempo de contato desse material, no caso, com o tecido ósseo1. Portanto, os implantes de titânio não seriam inertes, mas sim bioativos, mesmo que de uma forma muito baixa2. É bom recordar que, durante a regeneração/reparação óssea, em geral, há uma fase inflamatória, da qual a osseointegração está dependente.

Ou seja, existe um equilíbrio que é representado por um intervalo imunológico e inflamatório, ideal para que ocorra a osseointegração. Se esse período for muito extenso ou não for estimulado, a osseointegração pode não acontecer da forma e o tempo desejados. No final, atinge-se um equilíbrio homeostático, daí o termo “equilíbrio de corpo estranho”3, como descrito por Tomas Albrektsson, atual defensor desta teoria. Então, falamos de um conceito de tolerância do tecido ósseo e do organismo em geral com o implante de titânio. Se não for tolerado, por diversas razões, poderão ocorrer problemas no processo de osseointegração.

A teoria da resposta imune para a perda tardia de implantes dentários poderá trazer uma resposta para perdas “inexplicáveis”?

Esse é o objetivo: tentar explicar a causa para um problema tão complexo. Vemos o implante dentário na perspectiva de um dente artificial, mas essa não seria a realidade para a nova teoria. O implante corresponderia a um corpo estranho, e os fenômenos que ocorrem na sua superfície, ao entrar em contato com o organismo, receberiam o nome de adsorção de proteínas4, que definiria os eventos biológicos que se seguem, como a resposta do tecido local e do sistema imune.

Sendo assim, existe sempre um potencial de alteração da reação do organismo em relação ao implante. Um material que é tolerado pode passar a não ser, a partir de um determinado momento. Se ao longo da vida do implante a condensação óssea parece ir aumentando ao seu redor – o que alguns autores vêm como uma tentativa de isolar o corpo estranho do resto do organismo como mecanismo de defesa –, o fenômeno pode se inverter e levar a uma perda óssea, que normalmente começa em nível marginal.

Por outro lado, existem importantes fatores genéticos e epigenéticos que podem definir a alteração da relação do organismo com o implante, como o desenvolvimento de doenças autoimunes que têm forte componente pró-inflamatório, tabagismo ou sobrecarga, devido à alteração oclusal ou problemas na adaptação de componentes protéticos, apesar destes mecanismos estarem longe de serem esclarecidos.
A osseointegração pode ser considerada uma reação imune de corpo estranho que tenta isolar o hospedeiro (paciente) da superfície do implante?

Não é consenso, mas é uma teoria com algum sentido, entendendo-se que, ao invés do corpo estranho ser isolado por tecido fibroso, seja isolado do resto do organismo por tecido ósseo, como mecanismo de proteção. A realidade é que todo o processo é bastante complexo e multifatorial.

O importante com esta teoria é que a osseointegração, e por consequência a Implantodontia, como disciplina não é mais vista como um processo meramente dependente do equilíbrio entre células responsáveis por osteossíntese e células que degradam osso. Este equilíbrio entre osteoblastos e osteoclastos é central para a osseointegração, mas não ocorre de forma isolada no organismo. Os macrófagos estão intimamente ligados à função das células ósseas, e os osteoclastos derivam da fusão de macrófagos, os quais são absolutamente centrais na resposta imunológica e controlam várias funções no organismo.

O tecido ósseo tem uma população de células muito “cosmopolita”, denominadas células imunológicas, sendo que alguns autores consideram até o osso como um órgão imunológico importante4. Neste contexto, ainda é desconhecido o efeito destas populações de células sobre a osseointegração. Na perspectiva inversa, também é desconhecido o efeito que a colocação de um material estranho no osso poderá apresentar nas funções do organismo que estão dependentes destas populações celulares.

Pensando nesta teoria, a peri-implantite pode ser considerada um processo infeccioso, como a periodontite, ou deve ser considerada uma resposta de corpo estranho?

O problema das lesões peri-implantares com perda óssea associada é a complexidade do processo, que envolve outras variáveis. Isto porque o implante foi instalado, o processo imunológico-infl amatório permitiu o desenvolvimento da osseointegração, e paciente e clínico estão satisfeitos. Entretanto, surge a perda óssea e progressiva.

Por que isso ocorre?

Temos que dividir as relações em três níveis principais. O primeiro surge com o implante-hospedeiro e depois aparecem bactérias e outros potenciais microrganismos, de onde resultam os outros dois níveis: as relações hospedeiro/ bactérias e material/bactérias.

Existem argumentos muito fortes que indicam o papel mais central das bactérias, mas há duas razões também relevantes para perceber a importância da relação implante/ hospedeiro. A primeira é que o implante se integra no hospedeiro. A segunda, e principal, é que não são as bactérias que degradam o osso e destroem o tecido mole, são as células do hospedeiro. Assim, qualquer reação ao redor do implante sempre será dependente do hospedeiro, seja em relação ao material ou aos microrganismos.

Sabemos que alguns pacientes reagem negativamente e outros nem tanto, quando expostos ao mesmo tipo de bactéria. Ou seja, existem diversos mecanismos que ainda não estão bem entendidos. Não queremos dizer que as bactérias não têm papel importante. Mas, seguramente, é essencial estudar as populações de microrganismos na área peri-implantar e o seu papel no processo de peri-implantite. Na perspectiva da teoria de reação de corpo estranho, as bactérias colonizam de forma oportunista um nicho que se desenvolve devido a problemas com os tecidos peri-implantares, podendo levar ao agravamento da situação. Porém, isso não quer dizer que elas sejam o único fator etiológico principal dessa patologia.
Neste caso, uma resposta do hospedeiro sem a presença de um processo infeccioso poderia ser denominada peri-implantite?

O termo peri-implantite define uma reação inflamatória ao redor do implante, e não um processo infeccioso. Nesta perspectiva, o termo pode ser aplicado corretamente, pois, independentemente da teoria seguida sobre perda óssea peri-implantar, o processo envolve sempre inflamação.

O importante da teoria de reação de corpo estranho é que traz não só uma explicação mais completa para a peri-implantite (que considera todos os fatores presentes na reação do organismo a um biomaterial, que na nossa área é o implante de titânio), mas também abre caminho para o desenvolvimento de terapias mais adequadas para tratar a patologia. Ainda, poderá levar ao desenvolvimento de diferentes biomateriais que atuem na prevenção de problemas na relação com o hospedeiro.

Referências

  1. Anderson JM, Rodriguez A, Chang DT. Foreign body reaction to biomaterials. Semin Immunol 2008;20(2):86-100.
  2. Trindade R, Albrektsson T, Tengvall P, Wennerberg A. Foreign body reaction to biomaterials: on mechanisms for build-up and breakdown of osseointegration. Clin Implant Dent Relat Res 2016;18(1):192-203.
  3. Albrektsson T, Dahlin C, Jemt T, Sennerby L, Turri A, Wennerberg A. Is marginal bone loss around oral implants the result of a provoked foreign body reaction? Clin Implant Dent Relat Res 2014;16(2):155-65.
  4. Trindade R, Albrektsson T, Wennerberg A. Current concepts for the biological basis of dental implants: foreign body equilibrium and osseointegration dynamics. Oral Maxillofac Surg Clin North Am 2015;27(2):175-83.